sábado, 3 de abril de 2010

[PGN] Rede: uma abordagem operativa

Texto de Apoio: Tipologia das Redes 2
Rede: uma abordagem operativa
Vivianne Amaral *

Trabalhando com redes já há uma década, tenho procurado, nos últimos três anos, desenvolver uma metodologia de facilitação, uma compreensão do processo, que possibilite o desenvolvimento, nas relações grupais, daquelas qualidades que o padrão anuncia: descentralização, transparência, conectividade, convívio produtivo entre diferentes, autonomia, interdependência e produção colaborativa.
Tentei expressar minha percepção pragmática do processo em um conceito que ainda não considero finalizado, mas que já traz os elementos que identifico como essenciais para a produtividade da rede: uma rede é um sistema aberto&fechado, cujos elementos estão relacionados entre si por regras, dispositivos, artefatos e situações de comunicação não subordinada. Compartilham objetivos e tarefas comuns e, na conectividade, geram dinâmicas de auto-organização.
Tenho reelaborado sistematicamente esta percepção, influenciada pela experiência da participação em redes, leituras, conversações e cursos e me apropriando de abordagens como o pensamento complexo, o taoísmo, o pensamento sistêmico e, no último ano, na psicologia social de Pichon-Rivière. Assim, o que apresento são leituras abertas, sujeitas a modificações que podem ser agenciadas pela práxis, novos conhecimentos e contribuições de outros que atuam nas redes. Acredito que comunicar o estágio atual de minha percepção sobre redes permitirá sua própria superação.
A rede1 é, basicamente, um processo de comunicação estruturado de forma reticular. As conexões entre os elementos do sistema que estão distantes entre si se expandem para todos os lados, uma exploração dos horizontes. As morfologias de estrutura são variadas e refletem as direções da comunicação. É, ao mesmo tempo, social (só existe na interação social) e tecnológica (utiliza ferramentas de comunicação e outras). Dessa forma, acionar uma rede consiste em criar um processo comum de comunicação 2 para todos os que estão
envolvidos no problema ou sonho (objetivo comum), uma comunicação estruturada em rede. É uma estratégia potente para articulação, para intervenção e gestão dos processos.
A rede é um sistema aberto. O conceito vem do conhecimento dos sistemas vivos e dinâmicos e da cibernética.
O padrão organizacional rede é um dos padrões de organização da vida e a circularidade é um de seus operadores básicos. Por ser aberta, sua operação deve considerar as abordagens sistêmicas que possibilitem visão de contexto, emergências e mudanças qualitativas. Ao mesmo tempo, é um sistema fechado: pelos objetivos, foco, perfil de integrantes, regras, trama de interações e vínculos entre integrantes, pelos territórios biogeográficos que abrange.



Tornar a rede operativa, ou seja, facilitar a produção conjunta, implica investimento de tempo, pois as pessoas precisam conviver, conversar, integrar-se, desenvolver confiança umas nas outras, concordar em relação aos objetivos e às ações, desenvolver sentimento de pertencimento à rede, criar um imaginário comum, criar um referencial coletivo, enfim, tornar-se um grupo. Ou, como se diz hoje, uma comunidade.
Implica conhecimento aplicado para fazer intervenções adequadas no processo, facilitando a produção grupal: abordagens sistêmicas; compreensão da facilitação como papel assimétrico, diferenciado; negociação de conflitos; habilidades para o uso das ferramentas de comunicação; conhecimento sobre os temas da rede; estímulo ao protagonismo.
Implica investimento financeiro para profissionalizar a comunicação (site, listas, reuniões presenciais, boletins/jornais etc.), a animação e as atividades de capacitação. Necessita-se de pessoas com tempo para dedicar à nutrição da rede. Estas pessoas têm um perfil mais ou menos assim: são colaborativos, possuem boa habilidade para o uso das ferramentas de comunicação da internet, acreditam no processo coletivo, não são centralizadoras, tem facilidade para trabalhar com informação, estão envolvidas. Os representantes das
organizações participantes precisam colocar a rede na sua agenda, e para que isto aconteça os objetivos da rede, as regras de convivência e os benefícios da participação devem ser bem claros para todos.
Potencialmente, em qualquer processo em que for acionado, o padrão rede pode trazer os seguintes benefícios: comunicação estruturada com públicos estratégicos; transparência; desenvolvimento de uma cultura de cooperação; desenvolvimento do protagonismo; descentralização das gestões; um ambiente/campo estruturado para possibilitar parcerias mais seguras e confiáveis; democratização das relações, regidas pelo par autonomia-interdependência; um espaço estruturado de interação social para as pessoas e organizações com objetivo comum (querem fazer juntos e não apenas tem os mesmos objetivos). Mais: um padrão organizacional cujas características são, por si, potencialmente facilitadoras de integração e democracia; incremento do capital social com foco no objetivo da rede; aprendizagem individual e coletiva nos temas da rede; produção e difusão de informação estratégica para o objetivo.


Para todas estas coisas boas acontecerem é necessário que a operação da rede, sua facilitação, permita o desenvolvimento de dinâmicas de opostos (contraditórias) e emergências (surgimento do novo). Gerir uma dinâmica de pares opostos implica abordagens dialéticas e dialógicas, em conseguir conviver com contradições sem cair no erro da simplificação, procurando eliminar do processo um dos elementos do par. Permitir emergências exige descentralização, desejo sincero de apoiar o protagonismo do outro, capacidade para enfrentar a novidade.
Identifiquei dois conjuntos de princípios na dinâmica geral da rede: os princípios de coesão, que merecem atenção especial no início da rede, mas estão sempre presentes, e os princípios operativos, diretamente relacionados ao cotidiano, à sustentabilidade processual.



Tendo estes princípios como referência para as intervenções, é importante criar ambientes e situações de confiança, dando solidez aos relacionamentos dos integrantes da rede. Relacionamentos autênticos são nutridos através de conversações pessoais, diálogos freqüentes, trabalho e responsabilidades compartilhadas, reconhecimento e aceitação das diferenças. A confiança é construída e vivenciada em contextos de comunicação multifacetada. O sistema de comunicação da rede precisa ser aberto e fluido e incluir círculos de realimentação e ser praticado por todos. A liderança precisa circular e multiplicar entre os integrantes.
Os desafios são grandes e para todos: facilitadores, gestores e integrantes. Estão relacionados à necessidade de transformar nossa cultura de relações sociais, organizacional e política, construída historicamente em contextos de fluxos verticais ou piramidais (o Estado, a família, a empresa, a escola) e em dinâmicas de subordinação-dominação. São padrões que reproduzimos conscientemente e inconscientemente, porque, de alguma forma, é o que sabemos fazer, o que temos feito.

Atuação piramidal Atuação em rede
 Tomada de decisão top down
 Centralizada, linear
 Aversão a riscos e mudanças
 Visão impositiva
 Dentro dos limites administrativos
 Ator individual  Participação de diferentes níveis
 Descentralizada, retro-alimentada
 Admite riscos, aceita a emergência
 Visão compartilhada
 Através dos limites administrativos
 Parcerias, relações

Identifiquei alguns desafios: compreensão do padrão rede; competência coletiva para a comunicação presencial e não presencial; romper com o par subordinação-dominação; sustentabilidade financeira; implementar o par autonomia-interdependência; sustentar diversos focos de iniciativa; ampliar e manter o sentimento de pertencimento; sustentar uma prática de avaliação permanente; dar suporte às comunidades de prática e de aprendizagem que emergem.


NOTAS:
1 Estou me referindo às redes de articulação e informação, formadas por pessoas e organizações que utilizam a internet ou outro meio de comunicação que permita a interatividade de segunda ordem.
2 "Comunicação não se refere somente à transmissão verbal, explícita e intencional de mensagens. (...) O conceito de comunicação inclui todos esses processos por meio dos quais as pessoas influenciam outras pessoas. (...) Esta definição se baseia na premissa de que todas as ações ou eventos têm aspectos comunicativos, assim que são percebidos por um ser humano; implica, além disso, que tal percepção modifica a informação que o indivíduo possui e, por conseguinte, influencia esse indivíduo". J. Ruesch e G. Bateson.







REDES: UMA NOVA FORMA DE ATUAR
“Redes de informação e de ação são comunidades de
indivíduos e instituições, que atuam, de forma autônoma
e coordenada, em situações virtuais e presenciais, para a
realização de objetivos compartilhados”
Vivianne Amaral

Atualmente fala- se muito em redes, organizações em rede, rede de supermercados, rede de comunicação, rede do tráfico, como se o padrão de organização em rede fosse uma invenção das últimas décadas. No entanto, apesar do assunto parecer carregado de novidade, as redes de relações são inerentes às atividades humanas. Se pensarmos no nosso cotidiano, com o
foco nas relações que sustentam nossas rotinas, veremos emergir conjuntos de redes.
Pense na teia de relações que você tece na sua vida escolar: professores, colegas, o cara do ônibus ou metrô, o vendedor de passes, a servente da escola etc. Pense na rede de relações que você estabelece para abastecer a casa, comprar vestimentas, na sua vida profissional. Sua rede de afetos: as pessoas que você ama. Perceba como todas as suas atividades dão origem a
redes de relações. São redes espontâneas, que derivam da sociabilidade humana. Estão aí o tempo inteiro, apenas não costumamos focar nosso olhar sobre elas, vendo-as como um sistema vivo e dinâmico, mas são elas que dão sustentação a nossa vida e a reproduzem diariamente.
Mas você pode se perguntar: o que estas redes que estão no meu cotidiano tem a ver com movimentos sociais, redes de empresas, redes de computadores, cadeias de farmácias e supermercados? O que todas estas redes têm em comum é a forma como os elementos que as constituem (pessoas, lojas, máquinas, ongs etc) se relacionam.
Podemos dizer que rede é uma metáfora contemporânea para estruturas de relacionamento com determinado padrão, considerando-se padrão como a configuração das relações dos elementos de um sistema. Como processo de comunicação, a rede é um padrão de relacionamento horizontal que conecta vários nós ou centros a muitos outros.
E o que é uma rede?
Imagine uma rede de pescar, com linhas se entrecruzando, formando um nó, um ponto de encontro, e formando outro nó, outro ponto de conexão e assim por diante. Quando falamos de organizações que se articulam no padrão rede estamos dizendo que as relações internas, dos elementos que as formam, se dão como numa rede, a partir de conexões, ponto a ponto, entre as pessoas e instituições. Quando olhamos o mundo procurando ver nele o padrão rede, estamos colocando nosso olhar nas relações, nas conexões.
Outra característica deste padrão é a horizontalidade. Talvez a melhor forma de explicar o que é horizontalidade seja opor este significado a verticalidade. Linhas horizontais são linhas deitadas, estendidas, paralelas ao horizonte. Assim, quando se fala em relações horizontais o que queremos dizer é que são relações onde não há subordinação, onde não existem pessoas que mandam e outras que obedecem.

Quando falamos em relações verticais estamos falando de relações hierárquicas caracterizadas por subordinação, onde os que estão acima possuem mais poder de decisão dos que estão abaixo. Normalmente representamos esta situação de verticalidade como uma pirâmide.

Estrutura vertical





Praticamente a totalidade de nossas instituições (estado, família, escola, igreja, empresas etc) pode ser descrita como vertical. As características das relações verticais são: subordinação, concentração de poder, controle da informação, competição e individualismo.

Nas estruturas horizontais encontramos uma situação bem diferente. As relações são de descentralização do poder e não há subordinação. Nas redes, tem poder aqueles que tomam iniciativas e desenvolvem a capacidade de estabelecer relações, conexões. A comunicação acontece em muitas direções e, apesar da mediação de tecnologias como a informática, seu fluxo não é (não deveria ser) controlado, apenas administrado. Outra característica importante sobre a comunicação nos processos horizontalizados é que qualquer membro da rede colocar informação em circulação.

Estrutura horizontal



As redes organizacionais 

“Redes sociais são redes de comunicação que envolvem
a linguagem simbólica, os limites culturais e as relações de poder.”
Fritjof Capra

As redes sociais emergem nos últimos anos como um padrão organizacional capaz de expressar, em seu arranjo de relações, as idéias políticas e econômicas inovadoras, nascidas do desejo de resolver problemas atuais. São a manifestação cultural, a tradução em padrão organizacional, de uma nova forma de conhecer, pensar e fazer política. Inspiradas no pensamento sistêmico, as redes dão surgimento a novos valores, novos pensamentos, novas atitudes: um novo balanço nas relações entre a tendência autoafirmativa e competitiva predominante hoje e a integrativa e colaborativa, que muitos vêem como a tônica das sociedades do futuro. A atual emergência dos novos valores e novos pensamentos é possível graças ao desenvolvimento das tecnologias de comunicação e da informática, às inovações e novas descobertas do pensamento cientifico, à globalização, à evolução da cidadania, aos resultados desastrosos da forma atual (hegemônica) da organização humana, à evolução do conhecimento científico sobre a vida; às novas formas de gerenciamento e atuação empresarial, ao papel determinante da informação e do conhecimento na vida social.

O que diferencia as redes sociais das redes espontâneas e naturais é a intencionalidade nos relacionamentos, os objetivos comuns explicitados e compartilhados. Apesar dessas características especiais, a forma de operar das redes sociais traduz princípios semelhantes aos que regem os sistemas vivos. Assim, um passo importante para entender as dinâmicas próprias do trabalho em rede é, entender como a vida natural se sustenta e se autoproduz,
pois o conceito de rede foi criado a partir do estudo dos sistemas vivos.

Os princípios do trabalho em rede

Há os princípios constitutivos que são os valores e os objetivos compartilhados e que definem a identidade da rede. Como já vimos redes de relações são inerentes às atividades humanas. Mas como estamos culturalmente condicionados a pensar de forma vertical e linear, não conseguimos enxergar as redes que sustentam nosso cotidiano. No entanto, podemos acionar intencionalmente o padrão em rede que sustenta nossa vida coletiva e individual, quando resolvemos atuar coletivamente, com objetivos e valores compartilhados. Estes objetivos constituem a razão de ser, o motivo de acionamento do padrão. Assim criamos redes para defender o Cerrado, para divulgar informações científicas entre pesquisadores de
determinada área, para difundir valores que acreditamos são importantes para a sociedade, para articular uma comunidade de jovens, etc...
Temos também os princípios de operação ou operativos, que nos permitem acionar o padrão em rede e implantá-lo e sustentá-lo na dinâmica de relações.
Estes princípios devem orientar a gestão da rede e as relações entre seus membros, pois sua internalizarão é que garante a horizontalidade. São eles: interdependência e insubordinação, isonomia, desconcentração de poder e estímulo a multi-lideranças,e conectividade (disposição para fazer conexões, para se comunicar).

Destes princípios decorrem algumas características que permitem identificar o padrão em rede, apesar da variedade de configurações que estas assumem: autonomia e interdependência dos membros, cidadania interna e instabilidade dos espaços de poder, diversidade de elementos atuando conjuntamente sem abrir mão de suas identidades, instâncias de trabalho coletivo.

Como todas estas questões estão carregadas de novidades faz-se necessária a realização de oficinas de formação para facilitadores ou elos para o trabalho de animação da rede. O investimento em formação evitará a reprodução de práticas características de organizações verticais e também facilitará a internalização dos princípios do padrão em rede.

A gestão da rede
A coordenação da rede envolve diversas atividades que exigem tempo, espaço físico, equipamentos e pessoas profissionalmente dedicadas: administração e moderação de listas de discussão na Internet e de outros ambientes de comunicação on-line, alimentação de um cadastro de membros, organização de reuniões presenciais, produção de conteúdo e alimentação de sites, produção de boletins impressos e on-line. É uma atividade que deve ser
realizada coletivamente, sob a inspiração dos valores e objetivos compartilhados. É a coordenação que dá unicidade à rede.
Caso a rede não tenha um projeto que financie estas atividades elas podem ser assumidas pelas entidades membros. Como grande parte das redes não é uma figura jurídica, projetos e relações institucionais que exigem o CNPJ podem ser efetivadas por meio de entidades membros, atuando em regime de parceria.
A definição de uma instância executiva é bastante útil para a manutenção da rede. Cadastro de membros, correspondências, organização de atividades presenciais, a administração de listas discussão são atividades rotineiras e que não podem sofrer descontinuidade podendo ser plenamente desenvolvidas por uma secretária executiva, que não tem a função de representação da rede. É importante ter uma instância ampliada de deliberação, da qual a secretaria é o braço operacional. A representação da rede em eventos, reuniões etc poderá
ser definida caso a caso, procurando-se estimular a diversidade de lideranças e a democratização das oportunidades.
Especial atenção deve ser dada à gestão da comunicação e da informação. Gerar e sustentar um campo de ação e de comunicação estruturado é, possivelmente, a atividade central de uma rede e o maior serviço que ela presta aos seus membros. Na produção de conteúdo para boletins, sites e outros materiais de comunicação é importante a participação de um profissional da área, seja como contratado ou como voluntário. A gestão da lista de discussão, em que todos os membros participam, é essencial para o fortalecimento da rede, exigindo uma atenção permanente para a qualidade e pertinência das mensagens e a nutrição constante da mesma com informações de interesse para a comunidade articulada. A realização de reuniões presenciais regulares é importante para o fortalecimento do sentimento de pertencimento e para o adensamento das relações. No entanto, o desenvolvimento de habilidades de uso das ferramentas da internet e a utilização de programas de trabalho colaborativo não presencial abrem ricas possibilidades de atuação e expansão para as redes. Refluxos na comunicação e nas atividades são normais na dinâmica da
rede. Cabe ao corpo de facilitadores estar criando oportunidades de ação em parceria que garantam a produção continua e sustentação da malha de relações.


* Vivianne Amaral é jornalista, consultora em articulação de redes, facilitadora de comunidades virtuais e presenciais. Contato: bioconex@gmail.com e www.portaldovoluntario.org.br/amaralnet.

Fonte: http://www.rits.org.br/redes_teste/rd_tmes_mar2007.cfm

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