sábado, 3 de abril de 2010

[PGN] Redes: o que são redes?


Texto de Apoio: Tipologia das Redes 3

O que são redes?
O conceito de rede transformou-se, nas últimas duas décadas, em uma alternativa prática de organização, possibilitando processos capazes de responder às demandas de flexibilidade, conectividade e descentralização das esferas contemporâneas de atuação e articulação social.
A palavra rede é bem antiga e vem do latim retis, significando entrelaçamento de fios com aberturas regulares que formam uma espécie de tecido. A partir da noção de entrelaçamento, malha e estrutura reticulada, a palavra rede foi ganhando novos significados ao longo dos tempos, passando a ser empregada em diferentes situações.
A organização em rede enquanto fato histórico existe há bastante tempo. Citamos dois exemplos de articulação solidária ou organização em rede historicamente inquestionáveis: na idade Média, quando uma estrutura feudal dividia a sociedade em 3 ordens absolutamente hierarquizadas, o povo se organizava em "laços de solidariedade horizontal". E a articulação de judeus do mundo todo para salvar os compatriotas condenados aos campos de concentração na Europa? Trata-se de um exemplo de iniciativa em rede que simplesmente salvou milhares de pessoas do holocausto.
Mas a conceituação de Rede enquanto sistema de laços realimentados provém da Biologia. Quando os ecologistas das décadas de 1920 e 1930 estudavam as teias alimentares e os ciclos da vida, propuseram que a rede é o único padrão de organização comum a todos os sitemas vivos: "Sempre que olhamos para a vida, olhamos para redes." (Capra, 1996)
A temática das redes não é uma novidade no campo acadêmico. A Biologia e a Física têm apresentado discussões sobre o tema há bastante tempo e as apresentações descritivas não diferem tanto das que temos utilizado, exceto pelas equações matemáticas que empregam em sua linguagem. No entanto, interessa observar a coincidência histórico-conceitual entre o advento do terceiro setor e a utilização intelectual e a própria prática do trabalho em rede. Terceiro Setor e Redes são hoje realidades intrinsecamente relacionadas. O terceiro setor é, essencialmente, uma rede e aqui podemos imaginar uma grande teia de inter-conexões.
Redes de Educação Ambiental, redes emissoras de TV e rádio, redes de lideranças, rede de trabalho e renda... Por mais diversas que sejam as organizações e suas causas, elas têm em comum o propósito de estender suas ações e idéias a um universo sempre mais amplo de interlocutores: beneficiários, parceiros, financiadores, voluntários, colaboradores, etc. Para isso, precisam contar com meios adequados para o desenvolvimento de fluxos de informação, gerenciamento organizacional e comunicação institucional.
O terceiro setor se caracteriza por iniciativas, cujos profissionais envolvidos percebem a colaboração participativa como um meio eficaz de realizar transformações sociais. As instituições do terceiro setor têm procurado desenvolver ações conjuntas, operando nos níveis local, regional, nacional e internacional, contribuindo para uma sociedade mais justa e democrática. Para tanto, e a partir de diversas causas, a sociedade civil se organiza em redes para a troca de informações, a articulação institucional e política e para a implementação de projetos comuns. As experiências têm demonstrado as vantagens e os resultados de ações articuladas e projetos desenvolvidos em parceria.


Redes são sistemas organizacionais capazes de reunir indivíduos e instituições, de forma democrática e participativa, em torno de objetivos e/ou temáticas comuns.
Estruturas flexíveis e cadenciadas, as redes se estabelecem por relações horizontais, interconexas e em dinâmicas que supõem o trabalho colaborativo e participativo. As redes se sustentam pela vontade e afinidade de seus integrantes, caracterizando-se como um significativo recurso organizacional, tanto para as relações pessoais quanto para a estruturação social.
Na prática, redes são comunidades, virtual ou presencialmente constituídas. Essa identificação é muito importante para a compreensão conceitual. As definições de Rede falam de células, nós, conexões orgânicas, sistemas... tudo isso é essencial e até mesmo historicamente correto para a conteituação, mas é a idéia de comunidade que permite a problematização do tema e, conseqüentemente, o seu entendimento.
Uma comunidade é uma estrutura social estabelecida de forma orgânica, ou seja, se constitui a partir de dinâmicas coletivas e historicamente únicas. Sua própria história e sua cultura definem uma identidade comunitária. Esse reconhecimento deve ser coletivo e será fundamental para os sentidos de pertencimento dos seus cidadãos e desenvolvimento comunitário.
A convivência entre os integrantes de uma comunidade, inclusive o estabelecimento de laços de afinidade, será definida a partir de pactos sociais ou padrões de relacionamento.
Essa analogia conceitual se desdobra em algumas considerações que merecem pontuações.


Fundamentos e paradigmas das Redes
Uma atuação em rede supõe valores e a declaração dos propósitos do coletivo (missão): por que, para que e fundamentada em quê a rede existe? Há alguns parâmetros que norteiam a interação e devem ser considerados por quem queira trabalhar colaborativamente; uma espécie de código de conduta para a atuação em rede:
Pactos e Padrões de Rede: sem intencionalidade uma rede não consegue ser um sistema vivo, mas apenas um amontoado de possibilidades (intencionalidade aqui não possui um sentido teleológico, muito pelo contrário, mas significa a declaração de suas intenções de rede). A comunicação e a interatividade se desenvolvem a partir dos pactos e dos padrões estabelecidos em comunidade. Uma rede é uma comunidade e, como tal, pressupõe identidades e padrões a serem acordados pelo coletivo responsável. É a própria rede que vai gerar os padrões a partir dos quais os envolvidos deverão conviver. É a história da comunidade e seus contratos sociais.
Valores e objetivos compartilhados: O que une os diferentes membros de uma rede é o conjunto de valores e objetivos que eles estabelecem como comuns, interconectando ações e projetos.
Participação: A participação dos integrantes de uma rede é que a faz funcionar. Uma rede só existe quando em movimento. Sem participação, deixa de existir. Ninguém é obrigado a entrar ou permanecer numa rede. O alicerce da rede é a vontade de seus integrantes.
Colaboração: a colaboração entre os integrantes deve ser uma premissa do trabalho. A participação deve ser colaborativa!
Multiliderança e horizontalidade: Uma rede não possui hierarquia nem chefe. A liderança provém de muitas fontes. As decisões também são compartilhadas.
Conectividade: Uma rede é uma costura dinâmica de muitos pontos. Só quando estão ligados uns aos outros e interagindo é que indivíduos e organizações mantêm uma rede.
Realimentação e Informação: Numa rede, a informação circula livremente, emitida de pontos diversos, sendo encaminhada de maneira não linear a uma infinidade de outros pontos, que também são emissores de informação. O importante nesses fluxos é a realimentação do sistema: retorno, feedback, consideração e legitimidade das fontes são essenciais para a participação colaborativa e até mesmo para avaliação de resultados e pesquisas.
Descentralização e Capilarização: Uma rede não tem centro. Ou melhor, cada ponto da rede é um centro em potencial. Uma rede pode se desdobrar em múltiplos níveis ou segmentos autônomos - "filhotes" da rede -, capazes de operar independentemente do restante da rede, de forma temporária ou permanente, conforme a demanda ou a circunstância. Sub-redes têm o mesmo "valor de rede" que a estrutura maior à qual se vinculam.
Dinamismo: Uma rede é uma estrutura plástica, dinâmica, cujo movimento ultrapassa fronteiras físicas ou geográficas. As redes são multifacetadas. Cada retrato da rede, tirado em momentos diferentes, revelará uma face nova.

Tipologia das redes
As Redes do Terceiro Setor podem apresentar uma multiplicidade de formas, muitas vezes híbridas, a partir de determinados tipos que se desdobram e modificam em graus diferenciados de multiplicação e especialização. Inicialmente, se identificam três categorias de redes no Terceiro Setor:
Redes temáticas - São aquelas que se organizam em torno de um tema, segmento ou área de atuação das entidades e indivíduos participantes. A temática abordada é o fundamento desse tipo de rede, seja ela genérica (ex.: meio ambiente, infância) ou específica (ex.: reciclagem, desnutrição infantil).
Redes regionais - As redes regionais têm em uma determinada região ou sub-região o ponto comum de aglutinação dos parceiros: um Estado, um conjunto de municípios, um bioma, uma cidade, um conjunto de bairros etc.
Redes organizacionais - São, em geral, aquelas vinculadas a uma entidade supra-institucional - isto é, que congrega instituições autônomas filiadas (federações, confederações, associações de entidades, fóruns, etc.) - ou a organizações complexas, compostas, por exemplo, de várias unidades autônomas e/ou dispersas territorialmente.

planejamento gráficoPlanejando a Rede
Segundo Bruno Ayres " Participar de uma Rede Organizacional envolve algo mais do que apenas trocar informações a respeito dos trabalhos que um grupo de organizações realiza isoladamente. Estar em rede significa realizar conjuntamente ações concretas que modificam as organizações para melhor e as ajudam a chegar mais rapidamente a seus objetivos.
Para que uma Rede Organizacional exerça todo o seu potencial é preciso que sejam criadas equipes de trabalho que atendam a alguns princípios:
Existência de um propósito unificador: É o espírito de uma rede. Pode ser expressado como um alvo unificador e um conjunto de valores compartilhado pelos participantes, de forma esclarecedora, democrática e explícita.
Participantes Independentes: Fazer parte de uma rede não quer dizer deixar de lado sua independência. Ao contrário, uma rede requer participantes independentes, automotivados, não limitados por hierarquias. Cada participante possui talentos únicos, diferentes e valiosos para trazer ao grupo e para exercer sua criatividade é preciso independência. É o equilíbrio entre a independência de cada participante e a interdependência cooperativa do grupo que dá força motriz a uma rede;
Interligações voluntárias: Os participantes da rede se relacionam e realizam tarefas de forma voluntária e automotivada, podendo escolher seus interlocutores e optar por trabalhar em projetos que os ajudem a cumprir seus objetivos pessoais e organizacionais.
Multiplicidade de líderes: Uma rede possui menos chefes e mais líderes. Líderes podem ser caracterizados como pessoas que assumem e mantém compromissos, mas que também sabem atuar como seguidores se deixar ser liderado. Como cada participante traz seus talentos à rede, estes vão ser utilizados para a resolução dos complexos problemas trazidos pelo grupo. Descentralização, independência, diversidade e fluidez de lideranças são atestados de autenticidade de uma rede que visa a transposição de fronteiras.
Interligação e transposição de fronteiras: Redes pressupõem transposição de fronteiras, sejam elas geográficas, hierárquicas, sociais ou políticas. O alcance dos objetivos e propósitos são prioridades, não importa se para isso seja necessário que o gerente delegue uma tarefa ao diretor, ou se a pessoa que melhor complementa a sua aptidão para um determinado projeto esteja trabalhando a 2000km de distância.”
5 perguntas básicas de planejamento: (As respostas dessas perguntas indicam alvo/meta; tarefa; atividades; tempo; equipe de trabalho).
  • por que? - indica necessidade motivadora, visão
  • O que? - transforma o propósito em processos de trabalho (o que tem de ser feito para alcançar as metas)
  • Como? - que atividades são necessárias para a realização das metas
  • Quando? - quadro cronológico
  • Quem? - equipes envolvidas
Animação de Redes
Podem ser criadas articulações livres e específicas (partem dos participantes) para facilitar o desenvolvimento das tarefas. Vão depender da realidade da rede.
Formação de Grupos de Trabalho para tratar de assuntos de interesse da Rede. Os Grupos de Trabalho são temáticos ou de execução de tarefas. Exemplos GT Conceitual, GT Integração e Participação, GT Captação de Recursos, GT Tecnologia, GT Mecanismos de Reconhecimento e Visibilidade, etc.
Criação dos Fóruns para encontros virtuais.
Os Fóruns são encontros periódicos, em que temas relevantes são debatidos, buscando formas de compartilhamento de experiências e solução de problemas sociais. É um espaço onde se envolve toda a rede.
Encontros presenciais
Outras articulações pontuais
A Internet tem sido um importante recurso para as redes, representando um espaço de conexão entre as organizações, otimizando a sua comunicação e as possibilidades de colaborações.
Quando as redes passam a operar também no âmbito da Internet, usufruem das facilidades que as tecnologias de comunicação e informação proporcionam websites, e-mails, chats, listas de discussão, teletrabalho, educação à distância, acesso a bancos de dados, comércio eletrônico etc.

Monitoramento e Avaliação de redes
Para o monitoramento de redes é necessário definir alguém ou um grupo que acompanhe a dinâmica da rede. Existem ferramentas apropriadas que mensuram de forma objetiva os movimentos dos participantes. Mesmo assim, é importante o diagnóstico humano, sensível às subjetividades.
É necessário notar que os participantes possuem valores e objetivos comuns, porém, dinâmicas diferenciadas de trabalho. O todo e os pontos da rede devem ser igualmente e paralelamente considerados. A complexidade organizacional de redes configura um aparente paradoxo: o todo é maior que as partes e as partes são maiores que o todo. Mas, esse paradoxo se desfaz na prática do trabalho em rede, residindo apenas no plano filosófico: as redes só existem quando suas células estão interagindo exponencialmente, em dinâmicas e lógicas não lineares. É o movimento entrecruzado e plural dos pontos que constitui e legitima a rede. Desse modo, existem indicadores para mensurar a rede em sua totalidade integradora e no âmbito de suas células. Uma avaliação deve considerar a lógica orgânica das redes: a um só tempo o todo e as partes.
Consolidar a Rede significa avançar em produção, disponibilização de informações e ampliação do espectro de atores e beneficiários reunidos através da iniciativa, para que os conhecimentos produzidos e apropriados possam ir além dos contornos institucionais já estabelecidos. A Rede ganha expressão e legitimidade na medida em que suscita o interesse dos integrantes originais e de novos atores em participar e contribuir para o seu desenvolvimento.
Haveria muitas formas de se avaliar as redes porque as avaliações sempre precisam conhecer a realidade pesquisada. No entanto, existem alguns indicadores básicos para o monitoramento de redes, conforme exemplificamos abaixo. Além disso, as informações apresentadas nos itens Fundamentos & Paradigmas e Planejamento dessa seção do site Rits podem ajudar a sua avaliação. Uma forma mais básica porém eficaz de avaliar a nós mesmos ou os nossos projetos é o chamado check list: conferência de resultados a partir de rubricas planejadas.
Participação: indica a consolidação do ambiente de rede - o reconhecimento, a utilidade e a legitimidade da rede, levando em conta as interações e a colaboração entre os atores.
Geração e troca de conteúdos: indica a intensidade da produção e da troca de informações e conhecimentos.
Interatividade e conectividade: indica se os fluxos de informação convergem para o todo e/ou suas ramificações de acordo com a intencionalidade da rede e os interesses dos integrantes.
Adesão - ampliação da rede (novos atores)
Para se chegar aos indicadores, devemos fazer perguntas, que são variáveis de acordo com a realidade estudada, mas que podem se estruturar seguindo a linha dos exemplos abaixo:
Quais são os objetivos da rede?
Que valores fundamentam a articulação?
Quando surgiu e como vem se desenvolvendo?
Como trabalha? Com que recursos? (exemplo: se organiza em Grupos de Trabalho, etc)
Como os diversos pontos se comunicam e com que periodicidade? (exemplo: utilizam tecnologias de comunicação e informação, realizam encontros periódicos, etc)
Existem pactos de convivência/padrões de relacionamento entre seus membros?
Os interesses, compromissos, atitudes e motivações visam o coletivo e a causa?

Fonte: Helena Souza e Silva Campos de Oliveira
http://www.rits.org.br/

[PGN] Rede: uma abordagem operativa

Texto de Apoio: Tipologia das Redes 2
Rede: uma abordagem operativa
Vivianne Amaral *

Trabalhando com redes já há uma década, tenho procurado, nos últimos três anos, desenvolver uma metodologia de facilitação, uma compreensão do processo, que possibilite o desenvolvimento, nas relações grupais, daquelas qualidades que o padrão anuncia: descentralização, transparência, conectividade, convívio produtivo entre diferentes, autonomia, interdependência e produção colaborativa.
Tentei expressar minha percepção pragmática do processo em um conceito que ainda não considero finalizado, mas que já traz os elementos que identifico como essenciais para a produtividade da rede: uma rede é um sistema aberto&fechado, cujos elementos estão relacionados entre si por regras, dispositivos, artefatos e situações de comunicação não subordinada. Compartilham objetivos e tarefas comuns e, na conectividade, geram dinâmicas de auto-organização.
Tenho reelaborado sistematicamente esta percepção, influenciada pela experiência da participação em redes, leituras, conversações e cursos e me apropriando de abordagens como o pensamento complexo, o taoísmo, o pensamento sistêmico e, no último ano, na psicologia social de Pichon-Rivière. Assim, o que apresento são leituras abertas, sujeitas a modificações que podem ser agenciadas pela práxis, novos conhecimentos e contribuições de outros que atuam nas redes. Acredito que comunicar o estágio atual de minha percepção sobre redes permitirá sua própria superação.
A rede1 é, basicamente, um processo de comunicação estruturado de forma reticular. As conexões entre os elementos do sistema que estão distantes entre si se expandem para todos os lados, uma exploração dos horizontes. As morfologias de estrutura são variadas e refletem as direções da comunicação. É, ao mesmo tempo, social (só existe na interação social) e tecnológica (utiliza ferramentas de comunicação e outras). Dessa forma, acionar uma rede consiste em criar um processo comum de comunicação 2 para todos os que estão
envolvidos no problema ou sonho (objetivo comum), uma comunicação estruturada em rede. É uma estratégia potente para articulação, para intervenção e gestão dos processos.
A rede é um sistema aberto. O conceito vem do conhecimento dos sistemas vivos e dinâmicos e da cibernética.
O padrão organizacional rede é um dos padrões de organização da vida e a circularidade é um de seus operadores básicos. Por ser aberta, sua operação deve considerar as abordagens sistêmicas que possibilitem visão de contexto, emergências e mudanças qualitativas. Ao mesmo tempo, é um sistema fechado: pelos objetivos, foco, perfil de integrantes, regras, trama de interações e vínculos entre integrantes, pelos territórios biogeográficos que abrange.



Tornar a rede operativa, ou seja, facilitar a produção conjunta, implica investimento de tempo, pois as pessoas precisam conviver, conversar, integrar-se, desenvolver confiança umas nas outras, concordar em relação aos objetivos e às ações, desenvolver sentimento de pertencimento à rede, criar um imaginário comum, criar um referencial coletivo, enfim, tornar-se um grupo. Ou, como se diz hoje, uma comunidade.
Implica conhecimento aplicado para fazer intervenções adequadas no processo, facilitando a produção grupal: abordagens sistêmicas; compreensão da facilitação como papel assimétrico, diferenciado; negociação de conflitos; habilidades para o uso das ferramentas de comunicação; conhecimento sobre os temas da rede; estímulo ao protagonismo.
Implica investimento financeiro para profissionalizar a comunicação (site, listas, reuniões presenciais, boletins/jornais etc.), a animação e as atividades de capacitação. Necessita-se de pessoas com tempo para dedicar à nutrição da rede. Estas pessoas têm um perfil mais ou menos assim: são colaborativos, possuem boa habilidade para o uso das ferramentas de comunicação da internet, acreditam no processo coletivo, não são centralizadoras, tem facilidade para trabalhar com informação, estão envolvidas. Os representantes das
organizações participantes precisam colocar a rede na sua agenda, e para que isto aconteça os objetivos da rede, as regras de convivência e os benefícios da participação devem ser bem claros para todos.
Potencialmente, em qualquer processo em que for acionado, o padrão rede pode trazer os seguintes benefícios: comunicação estruturada com públicos estratégicos; transparência; desenvolvimento de uma cultura de cooperação; desenvolvimento do protagonismo; descentralização das gestões; um ambiente/campo estruturado para possibilitar parcerias mais seguras e confiáveis; democratização das relações, regidas pelo par autonomia-interdependência; um espaço estruturado de interação social para as pessoas e organizações com objetivo comum (querem fazer juntos e não apenas tem os mesmos objetivos). Mais: um padrão organizacional cujas características são, por si, potencialmente facilitadoras de integração e democracia; incremento do capital social com foco no objetivo da rede; aprendizagem individual e coletiva nos temas da rede; produção e difusão de informação estratégica para o objetivo.


Para todas estas coisas boas acontecerem é necessário que a operação da rede, sua facilitação, permita o desenvolvimento de dinâmicas de opostos (contraditórias) e emergências (surgimento do novo). Gerir uma dinâmica de pares opostos implica abordagens dialéticas e dialógicas, em conseguir conviver com contradições sem cair no erro da simplificação, procurando eliminar do processo um dos elementos do par. Permitir emergências exige descentralização, desejo sincero de apoiar o protagonismo do outro, capacidade para enfrentar a novidade.
Identifiquei dois conjuntos de princípios na dinâmica geral da rede: os princípios de coesão, que merecem atenção especial no início da rede, mas estão sempre presentes, e os princípios operativos, diretamente relacionados ao cotidiano, à sustentabilidade processual.



Tendo estes princípios como referência para as intervenções, é importante criar ambientes e situações de confiança, dando solidez aos relacionamentos dos integrantes da rede. Relacionamentos autênticos são nutridos através de conversações pessoais, diálogos freqüentes, trabalho e responsabilidades compartilhadas, reconhecimento e aceitação das diferenças. A confiança é construída e vivenciada em contextos de comunicação multifacetada. O sistema de comunicação da rede precisa ser aberto e fluido e incluir círculos de realimentação e ser praticado por todos. A liderança precisa circular e multiplicar entre os integrantes.
Os desafios são grandes e para todos: facilitadores, gestores e integrantes. Estão relacionados à necessidade de transformar nossa cultura de relações sociais, organizacional e política, construída historicamente em contextos de fluxos verticais ou piramidais (o Estado, a família, a empresa, a escola) e em dinâmicas de subordinação-dominação. São padrões que reproduzimos conscientemente e inconscientemente, porque, de alguma forma, é o que sabemos fazer, o que temos feito.

Atuação piramidal Atuação em rede
 Tomada de decisão top down
 Centralizada, linear
 Aversão a riscos e mudanças
 Visão impositiva
 Dentro dos limites administrativos
 Ator individual  Participação de diferentes níveis
 Descentralizada, retro-alimentada
 Admite riscos, aceita a emergência
 Visão compartilhada
 Através dos limites administrativos
 Parcerias, relações

Identifiquei alguns desafios: compreensão do padrão rede; competência coletiva para a comunicação presencial e não presencial; romper com o par subordinação-dominação; sustentabilidade financeira; implementar o par autonomia-interdependência; sustentar diversos focos de iniciativa; ampliar e manter o sentimento de pertencimento; sustentar uma prática de avaliação permanente; dar suporte às comunidades de prática e de aprendizagem que emergem.


NOTAS:
1 Estou me referindo às redes de articulação e informação, formadas por pessoas e organizações que utilizam a internet ou outro meio de comunicação que permita a interatividade de segunda ordem.
2 "Comunicação não se refere somente à transmissão verbal, explícita e intencional de mensagens. (...) O conceito de comunicação inclui todos esses processos por meio dos quais as pessoas influenciam outras pessoas. (...) Esta definição se baseia na premissa de que todas as ações ou eventos têm aspectos comunicativos, assim que são percebidos por um ser humano; implica, além disso, que tal percepção modifica a informação que o indivíduo possui e, por conseguinte, influencia esse indivíduo". J. Ruesch e G. Bateson.







REDES: UMA NOVA FORMA DE ATUAR
“Redes de informação e de ação são comunidades de
indivíduos e instituições, que atuam, de forma autônoma
e coordenada, em situações virtuais e presenciais, para a
realização de objetivos compartilhados”
Vivianne Amaral

Atualmente fala- se muito em redes, organizações em rede, rede de supermercados, rede de comunicação, rede do tráfico, como se o padrão de organização em rede fosse uma invenção das últimas décadas. No entanto, apesar do assunto parecer carregado de novidade, as redes de relações são inerentes às atividades humanas. Se pensarmos no nosso cotidiano, com o
foco nas relações que sustentam nossas rotinas, veremos emergir conjuntos de redes.
Pense na teia de relações que você tece na sua vida escolar: professores, colegas, o cara do ônibus ou metrô, o vendedor de passes, a servente da escola etc. Pense na rede de relações que você estabelece para abastecer a casa, comprar vestimentas, na sua vida profissional. Sua rede de afetos: as pessoas que você ama. Perceba como todas as suas atividades dão origem a
redes de relações. São redes espontâneas, que derivam da sociabilidade humana. Estão aí o tempo inteiro, apenas não costumamos focar nosso olhar sobre elas, vendo-as como um sistema vivo e dinâmico, mas são elas que dão sustentação a nossa vida e a reproduzem diariamente.
Mas você pode se perguntar: o que estas redes que estão no meu cotidiano tem a ver com movimentos sociais, redes de empresas, redes de computadores, cadeias de farmácias e supermercados? O que todas estas redes têm em comum é a forma como os elementos que as constituem (pessoas, lojas, máquinas, ongs etc) se relacionam.
Podemos dizer que rede é uma metáfora contemporânea para estruturas de relacionamento com determinado padrão, considerando-se padrão como a configuração das relações dos elementos de um sistema. Como processo de comunicação, a rede é um padrão de relacionamento horizontal que conecta vários nós ou centros a muitos outros.
E o que é uma rede?
Imagine uma rede de pescar, com linhas se entrecruzando, formando um nó, um ponto de encontro, e formando outro nó, outro ponto de conexão e assim por diante. Quando falamos de organizações que se articulam no padrão rede estamos dizendo que as relações internas, dos elementos que as formam, se dão como numa rede, a partir de conexões, ponto a ponto, entre as pessoas e instituições. Quando olhamos o mundo procurando ver nele o padrão rede, estamos colocando nosso olhar nas relações, nas conexões.
Outra característica deste padrão é a horizontalidade. Talvez a melhor forma de explicar o que é horizontalidade seja opor este significado a verticalidade. Linhas horizontais são linhas deitadas, estendidas, paralelas ao horizonte. Assim, quando se fala em relações horizontais o que queremos dizer é que são relações onde não há subordinação, onde não existem pessoas que mandam e outras que obedecem.

Quando falamos em relações verticais estamos falando de relações hierárquicas caracterizadas por subordinação, onde os que estão acima possuem mais poder de decisão dos que estão abaixo. Normalmente representamos esta situação de verticalidade como uma pirâmide.

Estrutura vertical





Praticamente a totalidade de nossas instituições (estado, família, escola, igreja, empresas etc) pode ser descrita como vertical. As características das relações verticais são: subordinação, concentração de poder, controle da informação, competição e individualismo.

Nas estruturas horizontais encontramos uma situação bem diferente. As relações são de descentralização do poder e não há subordinação. Nas redes, tem poder aqueles que tomam iniciativas e desenvolvem a capacidade de estabelecer relações, conexões. A comunicação acontece em muitas direções e, apesar da mediação de tecnologias como a informática, seu fluxo não é (não deveria ser) controlado, apenas administrado. Outra característica importante sobre a comunicação nos processos horizontalizados é que qualquer membro da rede colocar informação em circulação.

Estrutura horizontal



As redes organizacionais 

“Redes sociais são redes de comunicação que envolvem
a linguagem simbólica, os limites culturais e as relações de poder.”
Fritjof Capra

As redes sociais emergem nos últimos anos como um padrão organizacional capaz de expressar, em seu arranjo de relações, as idéias políticas e econômicas inovadoras, nascidas do desejo de resolver problemas atuais. São a manifestação cultural, a tradução em padrão organizacional, de uma nova forma de conhecer, pensar e fazer política. Inspiradas no pensamento sistêmico, as redes dão surgimento a novos valores, novos pensamentos, novas atitudes: um novo balanço nas relações entre a tendência autoafirmativa e competitiva predominante hoje e a integrativa e colaborativa, que muitos vêem como a tônica das sociedades do futuro. A atual emergência dos novos valores e novos pensamentos é possível graças ao desenvolvimento das tecnologias de comunicação e da informática, às inovações e novas descobertas do pensamento cientifico, à globalização, à evolução da cidadania, aos resultados desastrosos da forma atual (hegemônica) da organização humana, à evolução do conhecimento científico sobre a vida; às novas formas de gerenciamento e atuação empresarial, ao papel determinante da informação e do conhecimento na vida social.

O que diferencia as redes sociais das redes espontâneas e naturais é a intencionalidade nos relacionamentos, os objetivos comuns explicitados e compartilhados. Apesar dessas características especiais, a forma de operar das redes sociais traduz princípios semelhantes aos que regem os sistemas vivos. Assim, um passo importante para entender as dinâmicas próprias do trabalho em rede é, entender como a vida natural se sustenta e se autoproduz,
pois o conceito de rede foi criado a partir do estudo dos sistemas vivos.

Os princípios do trabalho em rede

Há os princípios constitutivos que são os valores e os objetivos compartilhados e que definem a identidade da rede. Como já vimos redes de relações são inerentes às atividades humanas. Mas como estamos culturalmente condicionados a pensar de forma vertical e linear, não conseguimos enxergar as redes que sustentam nosso cotidiano. No entanto, podemos acionar intencionalmente o padrão em rede que sustenta nossa vida coletiva e individual, quando resolvemos atuar coletivamente, com objetivos e valores compartilhados. Estes objetivos constituem a razão de ser, o motivo de acionamento do padrão. Assim criamos redes para defender o Cerrado, para divulgar informações científicas entre pesquisadores de
determinada área, para difundir valores que acreditamos são importantes para a sociedade, para articular uma comunidade de jovens, etc...
Temos também os princípios de operação ou operativos, que nos permitem acionar o padrão em rede e implantá-lo e sustentá-lo na dinâmica de relações.
Estes princípios devem orientar a gestão da rede e as relações entre seus membros, pois sua internalizarão é que garante a horizontalidade. São eles: interdependência e insubordinação, isonomia, desconcentração de poder e estímulo a multi-lideranças,e conectividade (disposição para fazer conexões, para se comunicar).

Destes princípios decorrem algumas características que permitem identificar o padrão em rede, apesar da variedade de configurações que estas assumem: autonomia e interdependência dos membros, cidadania interna e instabilidade dos espaços de poder, diversidade de elementos atuando conjuntamente sem abrir mão de suas identidades, instâncias de trabalho coletivo.

Como todas estas questões estão carregadas de novidades faz-se necessária a realização de oficinas de formação para facilitadores ou elos para o trabalho de animação da rede. O investimento em formação evitará a reprodução de práticas características de organizações verticais e também facilitará a internalização dos princípios do padrão em rede.

A gestão da rede
A coordenação da rede envolve diversas atividades que exigem tempo, espaço físico, equipamentos e pessoas profissionalmente dedicadas: administração e moderação de listas de discussão na Internet e de outros ambientes de comunicação on-line, alimentação de um cadastro de membros, organização de reuniões presenciais, produção de conteúdo e alimentação de sites, produção de boletins impressos e on-line. É uma atividade que deve ser
realizada coletivamente, sob a inspiração dos valores e objetivos compartilhados. É a coordenação que dá unicidade à rede.
Caso a rede não tenha um projeto que financie estas atividades elas podem ser assumidas pelas entidades membros. Como grande parte das redes não é uma figura jurídica, projetos e relações institucionais que exigem o CNPJ podem ser efetivadas por meio de entidades membros, atuando em regime de parceria.
A definição de uma instância executiva é bastante útil para a manutenção da rede. Cadastro de membros, correspondências, organização de atividades presenciais, a administração de listas discussão são atividades rotineiras e que não podem sofrer descontinuidade podendo ser plenamente desenvolvidas por uma secretária executiva, que não tem a função de representação da rede. É importante ter uma instância ampliada de deliberação, da qual a secretaria é o braço operacional. A representação da rede em eventos, reuniões etc poderá
ser definida caso a caso, procurando-se estimular a diversidade de lideranças e a democratização das oportunidades.
Especial atenção deve ser dada à gestão da comunicação e da informação. Gerar e sustentar um campo de ação e de comunicação estruturado é, possivelmente, a atividade central de uma rede e o maior serviço que ela presta aos seus membros. Na produção de conteúdo para boletins, sites e outros materiais de comunicação é importante a participação de um profissional da área, seja como contratado ou como voluntário. A gestão da lista de discussão, em que todos os membros participam, é essencial para o fortalecimento da rede, exigindo uma atenção permanente para a qualidade e pertinência das mensagens e a nutrição constante da mesma com informações de interesse para a comunidade articulada. A realização de reuniões presenciais regulares é importante para o fortalecimento do sentimento de pertencimento e para o adensamento das relações. No entanto, o desenvolvimento de habilidades de uso das ferramentas da internet e a utilização de programas de trabalho colaborativo não presencial abrem ricas possibilidades de atuação e expansão para as redes. Refluxos na comunicação e nas atividades são normais na dinâmica da
rede. Cabe ao corpo de facilitadores estar criando oportunidades de ação em parceria que garantam a produção continua e sustentação da malha de relações.


* Vivianne Amaral é jornalista, consultora em articulação de redes, facilitadora de comunidades virtuais e presenciais. Contato: bioconex@gmail.com e www.portaldovoluntario.org.br/amaralnet.

Fonte: http://www.rits.org.br/redes_teste/rd_tmes_mar2007.cfm

[PGN] Rede: uma estrutura alternativa de organização


Texto de Apoio: Tipologia das Redes 1

REDE: UMA ESTRUTURA ALTERNATIVA DE ORGANIZAÇÃO [1]
Francisco Whitaker

Quando pessoas ou entidades se associam para realizar determinado objetivo, elas precisam se organizar. A estrutura de organização mais usualmente adotada é a piramidal.
Outra estrutura de organização vem sendo no entanto cada vez mais experimentada, especialmente nos países do Primeiro Mundo: a estrutura horizontal em rede.
O autor do artigo participou, na França, de 1975 a 1981, de uma experiência desse tipo, as Jornadas Internacionais por uma Sociedade superando as dominações, projeto da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB que interligou participantes de mais de 90 países. Foi a época em que essa proposta organizativa começou a se espalhar pela Europa e Estados Unidos. No Brasil ele viveu uma nova experiência importante de rede, a partir de 1985, com o Plenário Pró-Participação Popular na Constituinte: mais de 12 milhões de assinaturas chegaram a Brasília, nas Emendas Populares. Esse processo continuou na elaboração das constituições Estaduais e das Leis Orgânicas Municipais. Atualmente várias outras redes vem se implantando entre nós: cristãos de Classe média, Universidade Mútua, Rede de Reflexão Política Livre - Repolítica.
O presente texto apresenta as características principais dessa proposta de organização, como subsídio para o aprofundamento da reflexão e do debate em torno da mesma.

REDES E PIRÂMIDES
Uma estrutura em pirâmide corresponde ao que seu próprio nome indica: as pessoas ou entidades se organizam em níveis hierárquicos, que se superpõem, cada nível compreendendo menos integrantes do que o nível que lhe é inferior. O conjunto se afunila a partir de uma base que pode ser mais ou menos ampla, para chegar a um topo no qual pode se encontrar um único integrante – o “chefe”. A comunicação entre integrantes de diferentes níveis se faz de cima para baixo ou de baixo para cima, através dos níveis intermediários àqueles que se comunicam.
Esse tipo de organização é mais usual por causa da influência da cultura e dos modos de agir dominantes. Imita-se, quase naturalmente, a estruturação piramidal da riqueza e do poder na sociedade em que vivemos. Além disso, no confronto ou negociação entre organizações colocam-se sempre, frente a frente, seus responsáveis ou dirigentes, ou seja, os topos das respectivas pirâmides – numa perspectiva de poder versus contra–poder. Todos se vêem, portanto, praticamente obrigados a assim se estruturar.
Uma estrutura em rede – que é uma alternativa à estrutura piramidal – corresponde também ao que seu próprio nome indica: seus integrantes se ligam horizontalmente a todos os demais, diretamente ou através dos que os cercam. O conjunto resultante é como uma malha de múltiplos fios, que pode se espalhar indefinidamente para todos os lados, sem que nenhum dos seus nós possa ser considerado principal ou central, nem representante dos demais. Não há um “chefe”, o que há é uma vontade coletiva de realizar determinado objetivo.
Se a estrutura em pirâmide é mais difundida nas organizações sociais – pelo menos em nossa cultura ocidental - as redes encontram seu apoio na observação das estruturas da natureza, em geral horizontais. Na biologia se constata, por exemplo, que as bactérias se multiplicam em rede, e podem ter um poder destruidor fatal.

REDES VERSUS PIRÂMIDES?
Embora as redes muitas vezes surjam como reação a problemas que se criam com as pirâmides, elas não pretendem necessariamente substituir ou se contrapor às estruturas piramidais. Há situações em que somente estas parecem ser possíveis ou desejáveis. Em outras, a estrutura em rede pode ser mais favorável à realização dos objetivos perseguidos. E há ainda situações em que o melhor seria exatamente a combinação de ambas as estruturas.
Este parece ser o caso em ações políticas, inclusive nos próprios partidos políticos, tradicionalmente piramidais. Uma pirâmide partidária cortada por diferentes tipos de redes pode receber por meio delas uma ventilação que descongelará tendências à cristalização de propostas, iniciativas e máquinas burocráticas. Ao mesmo tempo, como as redes são necessariamente abertas horizontalmente, através delas se pode desbloquear e ampliar cada vez mais a entrada de novos participantes na ação partidária e no próprio partido.

CONCENTRAÇÃO E DESCONCENTRAÇÃO
O que a organização piramidal superpõe, de fato, são níveis de poder de decisão, e com ele a responsabilidade pela realização dos objetivos perseguidos. Esse poder e essa responsabilidade vão se concentrando, da base da pirâmide ao seu topo, passando por tantas instâncias intermediárias quanto o tamanho da organização o exigir, de modo inversamente proporcional ao número dos que se encontram em cada nível: na base muitos, com pouco poder e menos responsabilidade, no topo poucos, com muito poder e muita responsabilidade.
Na estrutura organizacional em rede – horizontal – todos têm o mesmo poder de decisão, porque decidem somente sobre sua própria ação e não sobre a dos outros. Não há dirigentes nem dirigidos, ou os que mandam mais e os que mandam menos. E todos têm o mesmo nível de responsabilidade – que se transforma em co-responsabilidade – na realização dos objetivos da rede.

INFORMAÇÃO E PODER
Os elos básicos – os fios – que dão consistência a uma rede são as informações que transitam pelos canais que interligam seus integrantes. Inclusive podem se organizar redes com o único objetivo de intercâmbio de informações.
Informação é poder. Nas pirâmides, o poder se concentra, por isso também a informação, que se esconde ou se guarda para ser usada no momento oportuno, com vistas a se acumular e se concentrar mais poder. Nas redes, o poder se desconcentra, por isso também a informação, que se distribui e se divulga para que todos tenham acesso ao poder que sua posse representa.
Como as redes não comportam centros ou níveis diferentes de poder, a livre circulação de informações – a livre intercomunicação horizontal – torna-se assim uma exigência essencial para o bom funcionamento de uma rede. Todos os seus membros têm que ter acesso a todas as informações que nela circulem, pelos canais que os interliguem. Não podem existir circuitos únicos ou reservados, para que canais que eventualmente se bloqueiem não impeçam que a circulação da informação se faça, livre e múltipla.
Numa pirâmide, a informação circula verticalmente, por canais previamente determinados, de baixo para cima, para orientar decisões, ou de cima para baixo, sob a forma de ordens ou orientações. É fundamental respeitar esses canais, porque curtos-circuitos podem prejudicar o funcionamento do conjunto. Mas se a circulação de baixo para cima se bloquear em alguma instância intermediária, os dirigentes correm o risco de deixar de tomar conhecimento de  informações de que só a base dispõe, ou de propostas que esta queira fazer chegar aos seus dirigentes. O inverso pode também ocorrer, impedindo que a base venha a receber informações que a cúpula pretendeu lhe transmitir, ou mesmo suas ordens e orientações.

DISCIPLINA E COMANDO
Quanto mais a realização dos objetivos de uma organização depende da ação disciplinada de todos que a integram, mais se tende a organizá-la em pirâmide, com seus níveis superiores comandando e controlando a ação dos inferiores.
Quando a realização de um objetivo depende menos da disciplina dos que dela participam do que do engajamento consciente de todos na ação, menos cabe comandar e controlar o que os outros fazem ou deixam de fazer: tem que se contar é com a lealdade de cada um para com todos, baseada na corresponsabilidade e na capacidade de iniciativa de cada um, e a organização pode ser feita numa estrutura em rede, horizontal.
Um paralelo com a ação militar pode ser elucidativo: os exércitos convencionais são necessariamente e rigidamente piramidais; os corpos guerrilheiros tendem a se horizontalizar, em rede.

REPRESENTAÇÃO E DELEGAÇÃO DE PODER
Uma estrutura piramidal se baseia na possibilidade de representação: cada nível da pirâmide se faz representar pelos que se encontram no nível que lhe é superior. Delega-se o poder – e com ele parte da responsabilidade – de baixo para cima. A mesma delegação pode ser devolvida de cima para baixo, instância por instância, na organização da ação com vistas à sua execução.
Numa estrutura horizontal não existe representação. Cada membro da organização é autônomo em sua ação, mas responsável pelos seus efeitos na realização dos objetivos do conjunto. Se há delegações de poder, por acordo entre os que o delegam e os que o recebem, não se estabelecem níveis mas sim tipos diferentes de responsabilidade, com vistas à realização dos objetivos perseguidos.


DEMOCRACIA
O caráter mais ou menos democrático  de uma organização piramidal depende do modo como são escolhidos seus dirigentes: por designação de cima para baixo ou por eleição de baixo para cima. No caso de eleição, depende de como se apresentam as candidaturas, quem pode se candidatar, se a eleição é direta ou indireta, quem vota, qual o tempo de mandato, como se faz a renovação e como se pode destituir um responsável ou dirigente.
Numa organização horizontal essas questões não se colocam. Seu caráter mais ou menos democrático se mede pela sua abertura à entrada de novos membros, assim como à possibilidade de cada membro se desligar quando o considerar conveniente, sem que isso seja considerado um abandono nem uma traição.
O funcionamento mais ou menos democrático de uma organização piramidal depende da freqüência  e do modo como seus dirigentes informam e consultam as bases, do caráter mais ou menos verdadeiro dessas consultas, do respeito que esses dirigentes têm pelas opções das bases, dos meios de que estas dispõem para fazer valer sua vontade junto aos seus dirigentes.
O funcionamento mais ou menos democrático de uma organização em rede é medido pela real liberdade de circulação de informações em seu interior e, portanto, pela inexistência de censuras, controles, hierarquizações ou manipulação nessa circulação.

REDES E INFORMÁTICA
Pode-se dizer que as redes são estruturas que foram se tornando cada vez mais possíveis com o progresso tecnológico: do correio e telégrafo ao avião, ao rádio, ao telefone, ao fax e aos meios de comunicação de massa, o mundo se transformou numa imensa rede com cada vez menos barreiras à livre circulação de informações. As atuais possibilidades oferecidas pela informática – na rapidez da comunicação e na estocagem da informação – podem dar uma extrema eficácia a redes constituídas com objetivos específicos, assim como lhes assegurar efetivamente plena liberdade de circulação de informações.
Nesta perspectiva, as pirâmides podem ser consideradas como estruturas antiquadas, que a livre circulação de informações do mundo moderno tende a minar, inexoravelmente, ao permitir o rompimento de bloqueios antes considerados insuperáveis.

RISCOS DAS PIRÂMIDES
As estruturas piramidais contêm, em sua própria lógica, dinâmicas perversas, que podem dificultar a realização de seus objetivos e inclusive destruí-las a partir de dentro delas mesmas.
Uma das principais é a luta pelo poder e a competição que se estabelece em seu interior para se “subir” na pirâmide, com todas as manipulações disso decorrentes. Quando os adversários ou inimigos de uma organização sabem se utilizar dessas dinâmicas para dividi-las, as lutas internas podem fragilizá-las e mesmo paralisar sua ação. Outra dinâmica perversa é o bloqueio – intencional ou não - da circulação de informações. Ele pode levar ao isolamento ou ao distanciamento dos dirigentes em relação às bases e vice-versa, ou à ineficácia  das decisões da cúpula.
Nas estruturas horizontais em rede ninguém pode “subir” a um nível mais alto do que os demais, nem pretender concentrar ou esconder informações: a livre circulação de informações é a condição básica de existência das redes.

MUDANÇAS CULTURAIS
Tanto as redes como as pirâmides funcionam melhor se entre seus membros se aprofunda  a colaboração, a solidariedade, a ajuda mútua, a transparência e a corresponsabilidade.
Estas condições se desenvolvem no entanto mais facilmente em estruturas horizontais do que em estruturas piramidais. O exercício da liberdade, responsabilidade e democratização da informação, que a lógica das redes desenvolve, ajuda a mudar, nos seus participantes, os padrões de dominação, competição, autoritarismo e manipulação que a cultura dominante introjeta em cada um de nós. É uma prática nova que reeduca – embora essa reeducação possa ser um processo lento de superação dos hábitos, métodos e perspectivas que nos cercam de todos os lados, continuamente.
A própria noção de gratuidade e desinteresse pessoal, essencial para o desenvolvimento da solidariedade, ganha uma dimensão social mais realista: ela pode ser entendida numa perspectiva de reciprocidade  aberta, na troca de informações – que são poder – feita através da rede. As redes se contrapõem portanto à cultura do “guardar para si” e do “levar vantagem”, ao permitir que, pela colocação em comum do que cada um dispõe, todos ganhem.
Quem se associa a uma rede para “subir” ou para instrumentalizá-la, com objetivos pessoais ou grupais, logo percebe que esse espaço não lhe será propício, porque ele não contém nenhum “poder” a ser tomado: o “poder”  numa rede pertence a todos os seus integrantes. Ele é o “poder conjunto” de todos que a integram, e só é efetivamente poder exatamente se não se concentrar em nenhum membro em particular, ou seja, se todos os seus membros estiverem dispostos a “ceder” informação – poder - aos demais.
A combinação de redes e pirâmides na ação política pode portanto introduzir, nas pirâmides, por meio de militantes que participem de ambas as estruturas, um contra-veneno importante às dinâmicas perversas que tendem a deteriorar partidos e movimentos políticos.
Uma organização piramidal que pretendesse ser efetivamente democrática teria que ser como uma pirâmide invertida: o pequeno número daqueles que concentrassem maior poder o exerceriam como serviço, de baixo para cima, como uma raiz que alimentasse o número crescente daqueles que assumiriam plena e conscientemente a realização dos objetivos da organização.
Essa mudança radical de visão da organização piramidal só seria possível, no entanto, a partir das mudanças culturais induzidas pela prática das redes.

TIPOS DE REDES
Uma rede pode interligar tanto unicamente pessoas, como unicamente entidades, como pessoas e entidades. As pessoas e/ou entidades interligadas numa rede podem ser do mesmo tipo ou inteiramente heterogêneas. Tudo depende tão somente dos objetivos que a rede se propõe alcançar.
As redes podem ser também de diferentes tamanhos – de uma equipe que trabalhe em rede a uma rede de bairro ou de sala de aula, até uma rede internacional. Podem existir igualmente redes de redes. E dentro de uma rede podem se formar sub redes, com objetivos específicos.
A interligação em rede, de pessoas e/ou entidades, se estabelece a partir da identificação de objetivos comuns e/ou complementares cuja realização melhor se assegurará com a formação da rede.
Esses objetivos podem ser:
ü  a circulação de informações, base comum do funcionamento de todo e qualquer tipo de rede;
ü  a formação de seus membros;
ü  a criação de laços de solidariedade entre os membros;
ü  a realização de ações em conjunto.
Quando se propõe, numa rede, uma ação conjunta, esta não precisará ser necessariamente assumida por todos os seus integrantes, mas somente por aqueles que livre e autonomamente decidirem participar. Numa rede ninguém pode ser massa de manobra de ninguém.
Uma rede constituída somente para a circulação de informações ou para a formação de seus membros pode propiciar o aparecimento de ações de solidariedade ou de ações conjuntas não previstas  em seus objetivos iniciais.
As ações conjuntas, por sua vez, poderão comportar a conjugação ou a articulação de atividades de tipo diferente, que se apoiem e se complementem, a partir das possibilidades específicas de cada um de seus integrantes. As ações políticas que combinem planejadamente diferentes tipos de ação podem ter uma força muito maior do que aquelas desenvolvidas através de um único tipo de atuação.

PARTICIPAÇÃO
A participação dos que se integram a uma ação coletiva pode ser:
ü  Livre e consciente, todos agindo como sujeitos;
ü  Manipulada e controlada, em que os que a executam se sentem como sujeitos mas de fato não o são;
ü  Imposta, em que os executores agem como objetos de uma decisão superior.
Numa organização piramidal, seus objetivos podem ser alcançados com a participação imposta, através da disciplina e do controle, ou mesmo da repressão sobre os que não obedeçam ou reajam às ordens. Há também organizações piramidais que consideram esses métodos anti-democráticos ou ineficazes, e preferem ganhar a adesão dos executores da ação através de diferentes tipos e técnicas de envolvimento, que conduzem a uma aparente livre participação.
Numa organização em rede só pode haver participação livre e consciente de seus membros. Se não existir esse tipo de participação, a rede não se consolida nem se mantém: tende a “lacear” e,  pouco a pouco, a se desfazer. Ao contrário, se uma rede for “assumida” por um número crescente de seus membros, que coloquem a serviço da realização dos seus objetivos sua capacidade de iniciativa e de ação, ela se adensa e se fortalece cada vez mais. Uma rede não se move porque uma voz de comando a mobilizou: ela se move quando todos e cada um de seus membros começam, por decisão própria, a se mover. Uma rede é como um corpo: todos os seus membros a fazem funcionar, todos são a rede, nas suas ligações uns com os outros.
A participação assumida, livre e consciente dos que realizam uma ação coletiva – e isto vale para redes e para pirâmides – será tanto maior quanto mais forem preenchidas três condições básicas:
que a realização do objetivo perseguido seja vital para quem participe da ação;
que o objetivo só possa ser alcançado se houver efetiva participação;
que seja aceito como legítimo, pelos participantes da ação, o poder dos quem dirigem, comandam, coordenam ou servem os que agem.

COMO SE ORGANIZAR EM REDE
Sem termos consciência exata disso, todos nós participamos de diferentes tipos de redes informais, nas quais entramos e saímos segundo as circunstâncias de nossas vidas.
Para se constituir uma rede formal, o primeiro passo será identificar claramente seu objetivo: o que visam os que assim querem se organizar. Se este objetivo for minimamente vital para estes participantes, e só puder ser alcançado pela sua organização e participação, as condições básicas começam a ser preenchidas.
Em uma rede todos são iguais, todos têm iniciativa, todos são sujeitos de sua ação e co-responsáveis pela ação da rede, todos guardam sua liberdade. Mas pode haver uma distribuição de funções. Ora, a circulação de informações – a livre intercomunicação – é o elo básico das redes, como vimos. Mas ela não acontecerá de forma espontânea  e desorganizada: ainda que necessária e vital, os integrantes de uma rede tem que saber a quem enviar informações e como as enviar, assim como a quem pedir informações e como pedi-las.
Uma rede supõe, portanto, algum tipo de serviço que facilite essa circulação, por exemplo, um secretariado ou um conjunto de secretariados interligados. Sua função de facilitadores da intercomunicação – e não de dirigentes, comandantes ou coordenadores da rede – não lhes dá no entanto o poder de controlar, esconder, hierarquizar, selecionar, censurar ou orientar a informação que deva circular.
Tais secretariados, que “servem” à rede, devem ter seu poder legitimado pelos seus participantes. Ou seja, têm que ser aceitos ou escolhidos e “sustentados” materialmente, direta ou indiretamente, por eles.
A circulação de informações supõe também algum tipo de suporte sistemático – escrito, gráfico, auditivo ou informatizado – que faça chegar a informação ao conjunto de participantes, no ritmo, freqüência e modo estabelecido de comum acordo por eles. Todos têm que ter acesso livre a esse suporte e suas comunicações têm que ser por ele difundidas aos demais. Regras estabelecidas de comum acordo podem fixar limites quanto à dimensão, freqüência e mesmo conteúdo das mensagens, para se adequarem aos meios disponíveis e aos objetivos da rede.
Se algum participante quiser fazer uma proposta de ação conjunta, esta deverá circular por toda a rede como qualquer outra mensagem. A organização da ação conjunta proposta caberá àqueles que a assumirem, sem que haja obrigatoriedade de participação dos demais. As informações sobre o andamento dessa organização e da própria ação constituem mensagens que circularão pela rede, como as demais, se seus organizadores quiseram comunicá-las aos demais.
Os participantes de uma rede podem se encontrar pessoalmente e se reunir sempre que o considerarem necessário ou possível – para debater questões ou mesmo simplesmente para festejar. Dependendo das dimensões da rede, tais encontros podem ser um elemento importante – e mesmo decisivo – de sua consolidação, pelas relações interpessoais de amizade que assim se estabelecem. Nenhuma reunião desse tipo pode ter, no entanto, caráter deliberativo para o conjunto de participantes de rede. Quaisquer deliberações só vinculam  aqueles que as tenham assumido.
Uma rede está sempre aberta à entrada de novos membros que aceitem as regras de intercomunicação estabelecidas, ainda que as mesmas possam e devam ser revistas à medida que a rede vá realizando seus objetivos ou definindo novos objetivos. O auto-desligamento de qualquer de seus membros não deve, por outro lado, constituir problema, para que se assegure a plena liberdade de opção de cada um.




[1] O presente artigo foi divulgado pela primeira vez em abril de 1993, com a introdução aqui apresentada, como no 14 da série “PROCURANDO ENTENDER - TEXTOS PARA DISCUSSÃO” – publicação do Gabinete do Vereador Chico Whitaker, da Câmara Municipal de São Paulo, autor do artigo. Ele foi reproduzido posteriormente em outras publicações, como a revista MUTAÇÕES SOCIAIS, publicação trimestral do CEDAC, do Rio de Janeiro, Ano 2/nº 3/ março/abril/maio de 1993.