sábado, 3 de abril de 2010

[PGN] Da colaboração à parceria


Da colaboração à parceria
Dalberto Adulis

O uso cada vez mais freqüente da noção de parcerias para designar situações tão diversas - que vão desde uma relação de cooperação para a realização de um projeto até o mero aporte de recursos - tem levado a um esvaziamento do sentido da mesma. Quando uma mesma noção é empregada para designar coisas muito distintas perde-se o senso comum sobre o seu significado e chega-se à situação de "vazio semântico", em que as palavras perdem seu poder de significar alguma coisa. No caso da noção de parcerias, a diluição do significado alcançou tal ponto que é possível encontrar organizações que chamam seus fornecedores e funcionários de "parceiros".

No texto "Noções gerais sobre parcerias" Leandro Valarelli destaca que a principal diferença entre uma parceria e uma relação de prestação de serviços, por exemplo, estaria na construção de um espaço onde as organizações se comportam como iguais na definição dos objetivos comuns, dos papéis e da contribuição de cada uma. Na parceria, as organizações buscam uma complementaridade da ação motivada pela existência de objetivos compartilhados que são exteriores a cada uma delas, ou seja, algo distinto dos objetivos regulares que cada organização procura alcançar isoladamente. Assim, "os objetivos da parceria tendem a ser relativos a um impacto mais profundo na realidade na qual as organizações envolvidas atuam. Por isso ela não apenas supre necessidades, mas converte-se tanto numa forma de ampliar e irradiar os efeitos de um trabalho quanto num modo de sensibilizar, mobilizar e co-responsabilizar outros sujeitos em torno de ações voltadas para a ampliação da cidadania e do enfrentamento dos problemas sociais". (Valerelli, 1999)

No campo do terceiro setor, a noção de parceria tem sido evocada com freqüência como uma forma privilegiada de cooperação entre organizações para alcançar propósitos comuns. O argumento mais freqüente a favor do estabelecimento de parcerias baseia-se nas vantagens que cada organização poderia obter com esse tipo de relacionamento, entre as quais destacam-se:
ü  fortalecimento e ampliação da capacidade de ação;
ü  realização de projetos e ações conjuntas;
ü  troca de conhecimentos e aprendizado;
ü  compartilhamento de recursos.

A maior complexidade dos problemas sociais e a crescente interação entre os setores da sociedade nos dias de hoje têm contribuído para um aumento da importância de relações de parceria entre organizações, mas isto não significa, como acreditam alguns, que esse tipo de relação seja algo totalmente novo. Será que as alianças entre Estado e Igreja, que constituíram a base do poder nas sociedades ocidentais por séculos, não poderiam ser consideradas relações de parceria? Talvez sim, de tal modo que a novidade talvez não esteja nas relações de parcerias em si mesmas, mas sim no olhar que se coloca sobre esse tipo de relação nos dias de hoje.

Da mesma forma, uma parceria, em si mesma, não pode ser considerada como algo bom ou ruim, pois é apenas um meio, uma estratégia de cooperação estabelecida entre duas ou mais organizações para alcançar objetivos comuns. Uma parceria estabelecida entre organizações que pertencem ao crime organizado é algo bom ou ruim? È uma pergunta difícil de responder, mas, se fizermos uma outra pergunta, como "a parceria é boa ou ruim para quem?", veremos que a resposta depende de uma avaliação subjetiva, relacionada aos fins que se pretende alcançar. Para os integrantes das organizações criminosas, talvez essa parceria seja boa, ainda que péssima para a sociedade como um todo.

O pesquisador Jim Austin, que há anos estuda a colaboração entre organizações não governamentais e empresas, identificou a existência de formas variadas de colaboração, muitas vezes distintas das chamadas "parcerias". Segundo Austin, a maioria das relações de parceria decorre do amadurecimento de outras formas de relacionamento, que compõem um "contínuo de relacionamento", formado por três tipos ideais:

Filantrópica
Uma das organizações assume o tradicional papel de doador benevolente, que destina recursos para que a organização realize suas atividades. Geralmente a ONG recebe recursos financeiros, alimentos, produtos ou serviços da empresa, que aumenta sua reputação ou melhora sua imagem junto à sociedade. Uma relação de colaboração do tipo filantrópica exige pouca dedicação ou compromisso por parte do "doador". Um exemplo clássico desse tipo de colaboração é o das empresas que doam cestas de natal no final de ano. A relação entre a empresa e a entidade que atende uma comunidade se encerra com a transferência de recursos.

Transacional
Nesse tipo de relação, as organizações passam a se ver como potenciais parceiras, buscando alcançar objetivos comuns, geralmente relacionados ao aperfeiçoamento de algumas ações que já realizam. A empresa percebe, por exemplo, que pode contribuir de outras formas além de doar recursos, como, por exemplo, transferindo competências ou colaborando diretamente na execução de ações. Gradualmente, as organizações podem passar a desenvolver atividades conjuntas, como campanhas de marketing de causa relacionadas, patrocínio de eventos, franquias e troca de serviços.

Integrativa
Nesse tipo de colaboração as organizações traçam objetivos comuns e delineiam ações, empregando, de forma integrada, recursos oriundos das diferentes participantes. Quanto mais próxima do tipo integrativo, a relação de colaboração torna-se complexa e exige maior envolvimento e dedicação dos participantes, além do comprometimento crescente de recursos.

Apenas uma minoria das relações de colaboração alcança o estágio integrativo e aproxima-se da "parceria ideal". Essas relações são difíceis de serem mantidas e exigem grande empenho por parte dos envolvidos. Entre os fatores que podem facilitar o desgaste de uma parceria, pode-se destacar:
ü  falta de propósitos claros;
ü  objetivos e prazos irrealizáveis;
ü  pouco envolvimento de líderes e gestores;
ü  existência de membros desconfortáveis com os compromissos assumidos;
ü  falta de percepção pelos participantes dos benefícios da parceria;
ü  desequilíbrio nos benefícios recebidos pelos diferentes parceiros;
ü  tempo e recursos financeiros investidos maiores do que os benefícios potenciais;
ü  existência de conflitos básicos sem que haja espaços adequados para negociação.

Em um seminário recente1 , discutiu-se a importância do papel das lideranças na promoção de mudanças sociais em um mundo marcado pela desigualdade e exclusão. Nesse contexto, a parcerias entre os diferentes setores da sociedade são estratégicas, e a sua consolidação depende da existência de condições que favoreçam o diálogo entre os atores sociais. Durante este seminário, a pesquisadora Peggy Dulany, presidente do Instituto Synergos, destacou sete fatores importantes para o sucesso de parcerias intersetoriais:
ü   Pessoas e organizações só entram em parceria quando não podem solucionar os problemas sozinhos, caso contrário não despenderiam recursos e assumiriam riscos estabelecendo relações desta natureza.
ü   As diferentes partes envolvidas nas relações de parceria precisam ter níveis de poder relativamente iguais. Quando há grandes diferenças de poder, é comum que os mais "fracos" estabeleçam alianças com outros atores, com o objetivo de equilibrar as forças.
ü   Todos os participantes precisam estar envolvidos desde o início, sob o risco de que os ausentes descontinuem ou prejudiquem a parceria no futuro. Ainda que a participação possa significar mais tempo e custos investidos no processo, a longo prazo tende a trazer melhores resultados.
ü   Os diferentes grupos podem ter pressupostos e visões distintas sobre os fatos, empregando inclusive linguagens diferentes, o que pode levar à incompreensão ou mesmo inviabilizar um acordo. Em uma parceria, é fundamental que os participantes se esforcem ao máximo para compreender o pensamento e a linguagem dos demais.
ü   Um grupo que esteja com dificuldades para dialogar com outros grupos ou setores pode adotar a estratégia de estabelecer inicialmente alianças com lideranças menos resistentes, que em seguida podem facilitar o diálogo com os seus pares.
ü   § Relações informais e anteriores à parceria podem ter um papel importante ao possibilitar o cruzamento de fronteiras sociais e a criação de cadeias de confiança que extrapolam as posições formais de cada um dos atores.
ü   § Os mais afetados pelos problemas são as pessoas mais interessadas em solucioná-los, que deveriam, sempre, participar dos processos de discussão e das parcerias que se propõem a solucionar seus problemas.


1Seminário Liderança para Sociedades Sustentáveis, organizado pela ABDL (Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Lideranças), Instituto Synergos e CEATS/USP (Centro de Estudos em Administração do Terceiro Setor).


Bibliografia

Austin,J.E. (2000). The Collaboration Challenge: How Nonprofits and Businesses Succeed Through Strategic Alliances. San Francisco: Jossey-Bass.

Drucker,P.F. (2002). Drucker,P.F. (2002).
Valarelli, Leandro L. (1999). Parcerias - noções gerais . In: Apoio à gestão . Rio de Janeiro; site da Rits; 1999; Artigo


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